O Ministério da Saúde trabalha para barrar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que libera o pagamento a doadores de sangue e a venda do plasma humano à indústria.
Se aprovada, a proposta reduzirá poderes da estatal federal HEMOBRÁS (Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia) única farmacêutica autorizada a usar o material para a produção de medicamentos.
Integrantes da equipe da ministra da Saúde, Nísia Trindade, avaliam que acabar com a doação voluntária pode ainda aumentar o risco sanitário e de contaminação em transfusões.
Além disso, consideram que a PEC é uma tentativa de enfraquecer a estatal, pois poderia direcionar oferta de plasma para farmacêuticas privadas, inclusive do exterior, e reduzir o produto disponível para a HEMOBRÁS.
Apresentada pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS), a PEC 10/2022 recebeu assinaturas de outros 26 senadores de partidos da esquerda para a direita. Dois dos ministros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) subscreveram a proposta: Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Carlos Fávaro (Agricultura).
O texto tramita na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) do Senado, presidida por Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). Ele também assinou a sugestão.
Relatora da proposta, a senadora Daniella Ribeiro (PP-PB) elaborou parecer favorável à aprovação. A comissão vai realizar audiência pública sobre a PEC antes de votar o texto.
No projeto, Trad afirma que existe desperdício de bolsas de plasma no Brasil. O senador cita dados de uma auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) que apontou perda de cerca de 600 mil litros, equivalentes a 2,7 milhões de doações.
Criada em 2004, a HEMOBRÁS ficou marcada por apuração da Polícia Federal sobre fraude em licitação de obras e atrasos para finalizar a sua fábrica.
Mas a estatal afirma que não há mais problema de desperdício de plasma, pois o produto das coletas feitas no Brasil voltou a ser fracionado no exterior e entregue ao SUS.
A HEMOBRÁS recolhe o plasma excedente dos hemocentros, ou seja, que não é usado em transfusões, trata o produto e envia para o fracionamento. Essa última etapa, que serve para isolar componentes do plasma, hoje é feita em farmacêutica na Europa.
A estatal recebe os medicamentos de volta, como a imunoglobulina, e distribui para atender parte da demanda da rede pública. A ideia da empresa é realizar todas as etapas no Brasil a partir de 2025 ao finalizar a sua fábrica, instalada em Goiana (PE).
A discussão sobre a PEC ocorre no momento em que a Saúde tem dificuldade de abastecer o SUS com hemoderivados como a imunoglobulina.
Nos últimos anos, a pasta tem recorrido a compras de mais de R$ 300 milhões por medicamentos não registrados pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), feitos com plasma estrangeiro.
Esse medicamento é utilizado no tratamento de diversas doenças, entre elas o HIV e imunodeficiências. Desde 2018 o governo acumula compras frustradas e disputas na Justiça e no TCU por causa da imunoglobulina.
Em nota, a HEMOBRÁS afirma que as bolsas de plasma foram perdidas entre 2016 e 2020, período “em que a estatal ficou impedida de exercer sua missão institucional”.
Uma PEC para ser aprovada precisa de três quintos dos votos de cada casa, em discussões de dois turnos.
Em nota, os conselhos de secretários de Saúde dos estados (CONASS) e municípios (CONASEMS) pediram a reprovação da PEC, afirmando que pode “provocar uma grande concorrência pelo plasma brasileiro e inviabilizar a HEMOBRÁS”.
Já a ABHH (Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular) apoiou parte da PEC que trata da autorização de farmacêuticas privadas na comercialização e fracionamento do plasma excedente do Brasil.